Se deixassem a vida seguir seu curso normal, Edna D’Oliveira seria arquiteta, ou funcionária pública, e Tony Platão seria jornalista, ou físico nuclear. Mas a paixão pela música falou mais alto, e eles soltaram a voz, para desgosto dos pais. E deu certo. Hoje ela é cantora lírica – uma renomada soprano –, casada com o também cantor de ópera José Galissa e elogiada por sua participação na montagem brasileira do musical da Broadway O fantasma da ópera. Ele, depois do sucesso como vocalista da banda de rock Hojerizah nos anos 80, seguiu carreira solo. Aos 43 anos, Tony prepara novo disco e atua como comentarista cômico de futebol no programa de rádio Rock Bola. Donos de estilos bem diferentes, eles descobrem, no bate-papo a seguir, que têm mais em comum do que imaginavam.
Tony Platão, Cantor de rock Quando o Hojerizah começou a fazer shows, no início dos anos 80, passei a ter problemas de voz. A primeira pessoa que me falou isso foi Renato Russo. Acabei tendo aula com a Ilza Corrêa, que trabalhava no Theatro Municipal do Rio. Acabou que no Hojerizah eu era tachado como cantor de características operísticas, mas nunca atingi um nível de estudos pra poder fazer canto lírico. Creio que devemos ter muito em comum, mas a rotina, no seu caso, deve ser muito mais rígida do que a minha.
Edna D’Oliveira, Cantora lírica Muito maior sim... Quem trabalha com ópera tem a vida mais restrita vocalmente. Eu já não fumo, mas não posso beber. Destilados, de jeito nenhum. Vinho, de vez em quando. Só mesmo quando não tem ópera, porque realmente faz mal.
Até a alimentação é especial, né? Dizem que não pode comer ferro...
Tem algumas restrições sim. Se você vai cantar, não pode comer derivados do leite, porque dá pigarro. As cordas vocais se aquecem, e esses alimentos, assim como o álcool, produzem mucosas que formam aquele catarrinho. Aí, quando você vai cantar, dá aquele "ah-ham", e não dá pra fazer isso, né?
Como é viver no mercado da música clássica no Brasil, Edna?
Uma aventura. Na verdade, eu ia fazer Arquitetura. Meu pai ficou quase um ano sem falar comigo quando descobriu que eu ia largar tudo e estudar canto. Aos 24 anos, eu era funcionária pública, mas falava: "não é isso que eu quero, eu quero mexer com música". Quando ele me viu aqui no Theatro Municipal do Rio, com o público aplaudindo, ele disse: "Não é que ela tem jeito pra coisa?".
É engraçado isso que você está falando, porque me lembro que, quando tinha 17 anos, passei para a faculdade de Física, ia fazer Física Nuclear. Na época, ouvi o The song remains the same, do Led Zeppelin... E aí resolvi largar a faculdade pra estudar violão. Meus pais me obrigaram a fazer outro vestibular, e passei pra Comunicação Social. No primeiro semestre, conheci o Manoel e o Flávio, e formamos o Hojerizah. Meu pai, pouco antes de morrer, há uns dois anos, foi no show do Calígula Freejack, disco que lancei no fim de 2000 e, no dia seguinte, me ligou e disse: "Meu filho, não entendo. Você tem carisma, presença, uma grande voz e não consegue viabilizar sua carreira". Meu pai admitir que eu tinha me tornado cantor foi, talvez, o maior elogio que já ouvi na vida, porque, com 10 anos de carreira, ele falava: "Meu filho, quando é que você vai parar com essa brincadeira?" Mas agora eu tenho um filho e, hoje, entendo meu pai. Tenho pânico do meu filho se meter no meio artístico.
Eu e meu marido queremos ter um filho. Então ficamos pensando que ele vai ser músico, soprano, tenor, mas... Será que ele vai viver neste país? Eu não sei! A gente tem medo, porque não é brincadeira. Você fica com medo se amanhã ele vai ter dinheiro pra comer. A gente sabe que hoje o mercado está bom, mas quando acontece alguma coisa, o mercado cultural é o primeiro a sofrer. Na passagem do governo Fernando Henrique pro Lula, achavam que o Lula seria ruim pro país, e os investidores tiraram todos os patrocínios de seis obras que eu tinha. Ser artista no Brasil é complicado economicamente. Se você tiver outra profissão, você consegue se manter, mas viver disso é matar um leão todo dia.
Bom, sou comentarista cômico de futebol na rádio e dei sorte de ser um programa de sucesso. Na verdade, toda hora, todo dia, antes de entrar em qualquer palco, penso: "por que não arrumo outro emprego?" Meu Deus, como invejo essas pessoas que trabalham de nine to five, enchem a cara sábado e domingo, chegam em casa, discutem com a esposa, dão uma palmada no filho e vão dormir vendo o futebol... Mas quando a gente sobe no palco, lembra por que fazemos tudo isso... Não tem jeito, é meio uma missão, não sei como definir...
Aqui é mesmo uma missão. Qualquer país que você vê lá fora, e até aqui, as pessoas ainda conseguem sobreviver da arte - não da música, da arte. Eu já pensei até em montar um restaurante. Comida nunca acaba, e as pessoas estão sempre com fome, mas depois eu penso: "eu não sei fazer isso, vou acabar falindo!" Agora estou fazendo pesquisas de Fonoaudiologia, porque é o que quero fazer para, quando acabar minha carreira, ter um pé-de-meia.
Fonte: Revista Oi
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